Caros bloguistas militantes
Continuo a passar quase todos os dias ali por Alcântara (Lisboa),a caminho do comboio....
Sim, vou para o comboio, porque sou fã dos acordeonistas indianos (ver o post Guantanamera 30/7/2007), e por 1,30€, é um espectáculo barato...
Mas, dizia eu, que passo todos os dias ali em Alcântara, por um Mendigo/Sem abrigo de barbas brancas.
Ele poderia fazer de Pai Natal ou de outra personagem qualquer... mas optou por ser visto como sem abrigo, e assim deve continuar por mais uns tempos.
Não sei se é mais um "louco" de Lisboa, se os loucos somos nós, se é alguém cuja fortuna da vida o abandonou á sorte das ruas, pois realmente não sei.
Não é o único nesta cidade desumanizada, temos algumas das nossas crianças a fazerem de mendigos, a pedir esmola com cães, etc... E essas são as que se vêem, ou melhor as que dão mais nas vistas, quantos não tem lugar para ficar até os pais virem dos empregos?
Sim essas e as outras que teem a escola na Rua da Vida, admiramo-nos depois que cada vez sejamos mais desumanos, mais alheios, mais vingativos, mais contra o sistema.
Não olhamos para as evidências... ( sublinhe-se que cada vez mais este caso das crianças "abandonadas" vão sendo raros)... já os dos sem abrigo... é que não .
Voltando à "personagem" tem ali um apartamento na rua, na rua por onde a gente passa, passa sem pressa, com um destino marcado pela hora de chegar ao emprego.
A rua é mesmo dele, ele vive lá, e tem como vizinhos, o vento, o sol e a chuva, o calor e o frio, são vizinhos temporais...
Passo por ele quase todos os dias e todos os dias... e neste ou quase, lá está ele sempre.
Está ali, na sua, na boa, na dele.
Sujo, cabelos desgrenhados, vestido com a roupa que despeitamos porque mais a não usamos.
Mas lá está ele, assim como no local de emprego estão os colegas de trabalho .
É uma personagem que me habituei a ver, nos dias que lá passo e vou trabalhar ou para a praia ou para as noites (pois o trajecto da noite confunde-se com o trajecto para o comboio..., e ás vezes até a mim me confundo...).
Pois, todos os dias, mesmo com pressa, lhes dou os bons dias, e geralmente ele me retribui, levantando a mão e dizendo "Bom Dia!". E ele responde: Bom dia Companheiro.
Diferente, um sem abrigo considerar-me companheiro... ou não tão diferente assim, um ser humano considerar outro ser humano companheiro...
Dá-me a impressão que ele chegou ao estágio que muitos seres humanos nunca chegaras ou chegarão, pois se isso fosse possível aqule ideal de paz rapidamente seria alcançado.
Engraçado, se der os bons dias a outrem, não me retornam o cumprimento, mas ele sim.
Se fora no campo, no interior, nas montanhas, levar-me-iam a mal (e com razão) o facto de não cumprimentar ninguém, e eu (e com razão) levaria a mal não ser retribuído com o cumprimento.
A economia, fez-nos mal a humildade, é como uma humidade que se nos entranha na consciência de cosmopolitas, que nos faz realçar a indiferença.
Pois comigo não contem para isso.
Boa noite para si bloguista militante e boa noite para o sem abrigo que cumprimento (ele bem precisa de uma boa noite pois hoje faz frio).
Loucos De Lisboa
Parava no café quando eu lá estava
Na voz tinha o talento dos pedintes
Entre um cigarro e outro lá cravava
a bica, ao melhor dos seus ouvintes
As mãos e o olhar da mesma cor
Cinzenta como a roupa que trazia
Num gesto que podia ser de amor
Sorria, e ao partir agradecia
São os loucos de Lisboa
Que nos fazem duvidar
A Terra gira ao contrário
E os rios nascem no mar
Um dia numa sala do quarteto
Passou um filme lá do hospital
Onde o esquecido filmado no gueto
Entrava como artista principal
Compramos a entrada p'ra sessão
Pra ver tal personagem no écran
O rosto maltratado era a razão
não aparecer pela manhã
Mudamos muita vez de calendário
Como o café mudou de freguesia
Deixamos de tributo a quem lá pára
Um louco a fazer-lhe companhia
E sempre a mesma posse o mesmo olhar
De quem não mede os dias que vagueam
Sentado la continua a cravar
Beijinhos as meninas que passeiam.
Ele há cargas fantásticas, não há? E existem companheiros que nos fazem pensar quando carregamos.
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